“Ampliar a nossa visão limitada serve para propor melhorias e validar se a nossa ideia é boa realmente para mais alguém além de nós mesmos”

“Dentro de alguns anos a máquina substituirá o trabalho humano”, afirma uma voz da cabeceira da mesa. Na sequência, outra voz, mais firme, contesta: – “A máquina jamais conseguirá substituir o pensamento criativo”, seguida de alguns ruídos concordantes ao redor. Ao lado da voz lá da cabeceira, ouve-se outro comentário: – “É uma ilusão pensar que as pessoas vão se reinventar porque a tecnologia vai substituir sim várias funções humanas, inclusive algumas criativas”. Uma das vozes-ruído resolve se manifestar, arriscando um palpite alarmante: – “Se ela dirige o seu carro, é possível que alguém a manipule com a intenção de, por exemplo, te matar. Ou também hackear o seu marca-passo e fazê-lo simplesmente parar!”

Essa conversa poderia ter acontecido, mas na realidade não passa de algumas previsões propositalmente contraditórias para demonstrar algo comum em reuniões, conversas de bares ou nas redes sociais. Ao ler as frases acima a sua mente pode ter tendido para um dos dois lados. Se não, certamente o faria se o papo se alongasse, levando você a tomar um partido. Fazemos isso sem pensar, seguindo a nossa tendência de acreditar naquelas informações que confirmam as nossas crenças, definida pelo viés da confirmação, presente em todos nós – seres limitadamente racionais¹. Quando lemos uma frase com a qual não concordamos, tendemos a rejeitá-la, enquanto apoiamos aquelas informações que reforçam as nossas “mini-certezas”. É desse viés que nasce a polarização.

65% dos adultos concordam que hoje as pessoas estão menos dispostas a considerar pontos de vista opostos.” IBAV Consulting, Pesquisa Global 2016²

Todos nós temos a necessidade de nos sentir pertencentes a grupos que escolhemos a partir do conforto das opiniões compactuadas e que se autorreforçam. Por isso, quando estamos dentro de um grupo que compartilha das mesmas ideias, preferimos concordar a discordar. Evitamos o choque e só o fazemos quando é preciso nos defender. Quando alguém discorda de você, o seu sistema de defesa imediatamente começar a desenvolver argumentos que sustentem a sua opinião, sem procurar ouvir o que o outro tem a dizer.

A polarização separa as pessoas em grupos binários que não constroem em cima da riqueza presente na divergência. Vemos isso claramente nas calorosas discussões sobre política que separa os nossos amigos (há os que viraram ex-amigos) em lados opostos nas redes sociais, por exemplo. É um claro retrato de como estamos deixando de exercer a nossa capacidade crítica, ao simplesmente concordar com opiniões já formuladas e compartilhá- las acionando um simples botão!

Divergir não é somente positivo como é um dos elementos fundamentais para inovar, desde que consideremos a visão do outro para construir algo mais relevante. Para exemplificar, vamos agora voltar a conversa inicial e reconstruir algumas frases:

“No futuro teremos muito mais máquinas do que humanos”, uma vez que “robôs serão considerados uma opção de força de trabalho na solução de problemas. A exemplo do chatbot, que resolve 78% dos problemas e somente 22% dos problemas não resolvidos vão para humanos.” Se não concordamos, ao invés de criar argumentos de ataque para combatê-la, poderíamos formular hipóteses construtivas, como por exemplo: “Será então que a automação e a inteligência artificial podem criar novos empregos, que nem sequer existem ainda? Essa pergunta poderia levar a uma suposição bastante plausível de que: “Talvez a maioria dos trabalhos do futuro ainda não existam realmente!”

Esse papo nos lembra a época da revolução industrial, quando a máquina substituiu boa parte do trabalho e nem por isso a mão de obra humana deixou de ter relevância na cadeia produtiva. O humano foi apenas ressignificado, atuando mais intelectualmente e menos operacionalmente. Cada vez mais será exigido o desenvolvimento maior das soft skills, do que das hard skills³: “Criatividade, empatia e coragem são as habilidades do futuro”⁴ e abraçar a divergência de forma construtiva ajuda nessa direção. Para evitar a polarização e explorar a riqueza que a divergência nos oferece, é preciso coragem para discordar e criatividade para construir em cima dos diferentes pontos de vista, ao ouvir e sentir o outro sem julgamento (empatia).

Para dar um exemplo prático, ilustro o que fazemos em nossos projetos. Para a criação de um novo serviço, não apenas aceitamos as opiniões contrárias, como vamos atrás delas. Quando pensamos nas pessoas a quem esse serviço poderia ser útil, ampliamos sua abordagem aos mais diferentes perfis, ao invés de focarmos em um (limitado) público-alvo. Dentro deles, consideramos os perfis extremos – aqueles que dificilmente teriam interesse no serviço (seja pela falta de pertinência, alto grau de exigência ou alguma limitação). Quando simulamos o uso também para esses perfis, ajustes são propostos para que o serviço funcione também para eles, tornando-o cada vez melhor.

Ao ser testado por pessoas com necessidades mais críticas ao usual, novas melhorias são propostas pela soma de um novo e diferente olhar, que o torna pertinente para uma faixa mais ampla de pessoas. Quando estamos tratando de criar uma nova solução para um problema buscamos abrir ao máximo a nossa visão, considerando as mais variadas opiniões (divergência) antes de fechar em caminhos mais interessantes ao pensados inicialmente (convergência). Quanto mais uma solução atende aos mais diferentes perfis, mais relevante ela será.

Portanto, abrir-se ao diferente e aceitar as opiniões aparentemente contrárias não é apenas necessário. Ampliar a nossa visão limitada serve para propor melhorias e validar se a nossa ideia é boa realmente para mais alguém além de nós mesmos, ou além do nosso grupo padronizado pelas mesmas opiniões. Precisamos criar novas interpretações, levantar outras hipóteses para uma situação, buscar novos subsídios ao invés de ficarmos limitados ao que somente confirma automaticamente as nossas crenças. É ser mais flexível ao diferente, considerar os extremos para construir em cima dele e criar algo melhor do que faríamos munidos somente das nossas verdades absolutas e polarizadas.

 

Graziela Di Giorgi é sócia da Opt-Inn, diretora Brasil da SCOPEN, escritora do livro O Efeito Iguana, professora do IED e da ESPM e mentora do Programa InovAtiva Brasil

1 O conceito de “limitadamente racional” foi profetizado pelo economista e psicólogo norte-americano Herbert Alexander Simon. Seus trabalhos sobre a decisão e o comportamento humano têm até hoje influência marcante nos campos da Administração, Economia, Psicologia e Ciência da Computação, e lhe rendeu o Prêmio Nobel de Economia em 1978.

2 Parte do conteúdo do ‘Next 5’, trabalho sobre tendências que desenvolvemos recentemente.

3 Soft skills são atitudes comportamentais inatas ou aperfeiçoadas por cada pessoa, enquanto que as hard skills são competências técnicas ensinadas na escola.

4 Uma das previsões do Singularity University Global Summit 2017

 

Escrito por: Graziela Di Giorgi 
Fonte: http://www.consumidormoderno.com.br/2017/09/01/amplie-opinioes-mini-certezas/

 

 

 

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