Esqueçam aquelas cantinas italianas cheias de “nonas” e crianças. Sejam bem-vindos ao universo dos consumidores childfree

Em julho deste ano, um bate-boca na internet colocou consumidores e entidades de defesa do consumidor, de um lado, e os sócios de um restaurante localizado na zona norte de São Paulo, de outro. Por trás da acalorada discussão virtual, havia um comportamento até então pouco conhecido no Brasil, mas que vêm ganhando força em lugares como os Estados Unidos, Europa e Ásia: a proibição de crianças em restaurantes e outros estabelecimentos comerciais, também conhecido por lugares “childfree”.

O termo teria surgido nos anos de 1980 nos Estados Unidos e Canadá. O objetivo era unir adultos que se sentiam discriminados por não terem filhos. O número de adeptos rapidamente cresceu e, logo, surgiram os primeiros café e restaurantes childfree.

No caso de São Paulo, o que chama a atenção é que todo o debate começou na própria internet. O restaurante comunicou a proibição na internet e, em pouco tempo, a mensagem viralizou nas redes sociais. A empresa recebeu críticas duríssimas dos pais, que pediram, entre outras coisas, o boicote ao estabelecimento. No fim, os sócios alegaram que o local não estava apto a recepcionar jovens consumidores e afastaram qualquer tipo de preconceito contra os pequenos.

Mas o estrago estava feito. Em meio a discussão surgiu a tal palavra childfree – e não é difícil imaginar o que ocorreu em seguida. Internautas vasculharam grupos que defendiam essa ideia e, claro, realizaram uma espécie de pichação virtual. Um desses espaços foi a páginas do Facebook “Somos Childfree”.

No fim, até mesmo órgãos de defesa do consumidor entraram na discussão. O IDEC, por exemplo, criticou a postura do restaurante da zona norte, classificando-a como “ilegal e inconstitucional”.

“Não são somente os restaurantes que estão restringindo a entrada de crianças. Muitos hotéis e até companhias aéreas ou impedem a presença dos pequenos ou criam áreas especiais só para adultos”, afirma a entidade em nota, que continua: Para o Idec, essa prática é ilegal e inconstitucional. Sob o aspecto da defesa do consumidor, o Instituto entende que restringir a entrada de crianças é uma prática abusiva. O artigo 39, do CDC, afirma que é proibido recusar bens ou serviços diretamente a quem se disponha a adquiri-lo por pronto pagamento.

Mas o que realmente está no centro do debate sobre a proibição de crianças nos estabelecimentos comerciais? Preconceito ou apenas opção de vida?

“Não sou obrigada”

Primeiro, é preciso esclarecer o motivo desse tipo de comportamento. A página da Somos Childfree exibe diferentes posições em defesa desse comportamento. Em muitos casos, os defensores argumentam que se trata de uma simples opção de vida. “Não sou obrigada a ter criança. Sou casada, tenho 38 anos e sou feliz com o meu marido, que também não quer filhos. Temos animais”, disse uma internauta simpática á ideia.

No entanto, há quem tenha outros argumentos em defesa dessa ideia – alguns deles mais polêmicos. Na mesma página da Somos Childfree, houve quem citasse a imprevisibilidade do comportamento das crianças. “As (crianças) educadas nos dão prazer em passar o tempo com elas. Não essas chatices que nos fazem querer distância”, comentou uma jovem internauta.

Ganhando força

Independente do motivo, o fato é que esse movimento está crescendo ao redor do mundo e ganhando cada vez mais adeptos. Isso está transformando a rotina não apenas de restaurantes, mas até mesmo de outros serviços. Por exemplo: não são raras as reclamações de passageiros com crianças, especialmente por causa dos choros repentinos durante o voo.

Na tentativa de contornar esse tipo de situação, algumas companhias tentaram ou optaram por separar crianças dos demais adultos. Richard Branson, o famoso executivo da Virgin, certa vez se mostrou simpático à ideia de criar um espaço destinado exclusivamente para os pequenos passageiros. A ideia do britânico é que nenhum adulto teria acesso a esse espaço, exceto babás ou os pais das crianças.

A ideia não prosperou na Virgin, mas outras companhias levaram a ideia adiante. A Scoot Airlines, empresa aérea de baixo custo de Singapura, criou um programa chamado “ScootinSilence”. Trata-se de um espaço dentro da aeronave onde menores de 12 anos são proibidos. Ainda na sul da Ásia, a Malásia Airlines chegou a proibir crianças na primeira classe em aviões “superjumbo”, Airbus e Boeing 747.

Medidas similares ou menos restritivas também foram implantadas na China e na Nova Zelândia. A China Airlines e a Air New Zealnd criaram zonas de divisão familiar, onde os assentos se convertem em áreas contidas para crianças. Já a Eurostar (que administra o Eurotrem) decidiu oferecer treinadores familiares dentro dos trens.

À primeira vista, essas medidas parecem insensíveis e até impopulares. No entanto, um estudo produzido pelo site de viagens latedeals.co.uk mostrou que um terço dos entrevistados se mostraram favoráveis as chamadas zonas livres de crianças e até pagariam valores extras para ter acesso a esse espaço. Foi justamente o que fez a Scoot Airlines.

Esse tipo de medida também contaria com a adesão dos próprios aeronautas. Em 2012, o jornal britânico Telegraph entrevistou funcionários de companhias aéreas sobre o assunto. O resultado? Nada menos que 70% dos colaboradores aprovaram a ideia de separar ou impedir o acesso de crianças.

Restaurantes e hotéis

Mas não é apenas no ar que existem adeptos do childfree. Em terra firma, há muitos exemplos de restaurantes e até hoteis que proíbem crianças.

Em agosto, um café britânico chamado The Chart Room, em Brixham, proibiu menores de 12 anos no estabelecimento. Em sua defesa, o proprietário do espaço afirma que criou um espaço para que adultos conversarem sem interrupções. O resultado? Houve um boicote de consumidores.

No norte de Londres, outro caso parecido. A casa de chá chamada Winchmore Hill também proibiu crianças de até 12 anos. Uma das sócia do espaço usou o mesmo argumento do Chart Room, mas com uma diferença: o estabelecimento possui uma vasta e relativamente cara coleção de porcelana de chá. Ou seja, há preocupação com eventuais prejuízos em decorrência do comportamento imprevisível dos pequenos consumidores.

Em entrevista a um jornal londrino, uma consumidora da casa de chá defendeu a medida. “Isso não é um bar ou clube. É uma casa de chá, meu Deus! Eu me sinto incomodada”, afirma.

Os hotéis também parecem de olho em consumidores que não toleram crianças. O site i-escape.com, por exemplo chegou a criar uma lista com 200 opções de hotéis e resorts (inclusive no Brasil) que não toleram jovens consumidores.

E quais seriam esses lugares? Basicamente pequenas pousadas ou casas de veraneio. O Brasil também possui restaurantes com esse tipo de comportamento, como é o caso do comércio na zona norte de São Paulo. E isso não deve parar por aí. De acordo com o IBGE, 20% dos arranjos familiares são formados por casais sem filhos. Evidentemente que o número não distingue os defensores do childfree. Mas é aquela história: se a população cresce, cresce a diversidade.

 

Escrito por: Ivan Ventura
Fonte: http://www.consumidormoderno.com.br/2017/09/01/childfree-consumidor-livre-criancas/

 

 

Childfree: Um novo e polêmico consumidor

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