Promessa da varejista de manter competitividade em patamar chinês é vista com ceticismo

Marisa, Amaro, Riachuelo, C&A. A vida anda dura para varejistas de vestuário no Brasil. A Amaro está em recuperação extrajudicial, a Marisa renegocia com credores, a Riachuelo fechou uma fábrica e trocou de comando para tentar mudar de estratégia e os controladores da C&A já concluíram que as ambições são limitadas. No segmento premium, a Restoque virou Veste, depois da mudança de controle na renegociação de dívidas, e busca retomada de margens antes de pensar em crescer. Mas a Shein garante que dá para manter sua competitividade chinesa com estrutura

Após uma reunião de mais de duas horas de executivos da varejista com o ministro Fernando Haddad, a companhia formalizou na quinta-feira em carta um compromisso de investir R$ 750 milhões para transformar o Brasil em um hub de produção e exportação de suas peças na região. A chinesa promete produzir 85% do que é consumido pelos brasileiros na indústria local. A Shein fala na geração de 100 mil empregos.

A intenção, claro, foi bem-recebida no governo e também na concorrência, que vê um jogo mais justo quando todos estão sujeitos às mesmas regras (leia-se carga tributária). Mas há uma boa dose de ceticismo sobre o entendimento da Shein de que vai conseguir manter seus preços baixos, trunfo que a colocou entre as varejistas mais buscadas por brasileiros.

“Os preços que a Shein pratica hoje são um grande mistério. Mesmo quem mora na China considera a precificação muito agressiva para esse mercado”, avalia Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, especialista em varejo. “Dificilmente, mesmo transportando tecnologia e inteligência para o Brasil, vão conseguir produzir ao custo que estão alcançando hoje. Inclusive porque o modelo de negócio é baseado em exportação e tem benefícios fiscais que fazem os produtos saírem da China sem imposto nenhum.”

O sócio-diretor da Méthode Consultoria e professor da ESPM Adriano Gomes concorda que parece um desfecho improvável, mas aponta uma das possibilidades para esse controle de custos. “Ao produzir nas mesmas condições, me parece improvável que a Shein tenha ganhos de eficiência acima das concorrentes locais. A não ser por uma variável: a matéria-prima”, diz. “A depender dos termos dessa ‘nacionalização’, o tecido pode vir da China, com transfer pricing bem abaixo do que estamos acostumados aqui, viria subsidiada, mas ainda assim perderia em competitividade”.

Não é o que sinaliza a Shein, que anunciou acordo de fornecimento com a Springs Global, que produz tecido no Brasil.

A Shein informou que pretende fazer parcerias com 2 mil fabricantes brasileiros — no mesmo modelo de fornecedores que opera na Ásia — nos próximos quatro anos, de acordo com o documento assinado por Yaning Liu, CEO da empresa, e Marcelo Claure, presidente do conselho da empresa na América Latina. A marca também concordou em aderir ao código de conformidade da Receita Federal, sem repassar os custos da tributação ao consumidor. O Brasil é um dos três maiores mercados da Shein, que está presente em 150 países no mundo.

“A chave para nossa estratégia de crescimento é alavancar nossa escala global e excelência operacional para apoiar e contribuir para as economias e ecossistemas locais”, disse Claure, em nota. “Temos visto grande sucesso no Brasil desde nosso lançamento em 2020 e, com a crescente demanda dos consumidores, vimos a oportunidade de localizar mais a nossa cadeia de fornecimento para beneficiar os consumidores, as pequenas empresas e a economia em geral.”

O acordo foi fechado após Haddad ter anunciado, na semana passada, que as compras internacionais de até US$ 50, antes isentas de imposto, passariam também a ser tributadas. Como justificativa, a pasta argumentava que gigantes asiáticas, como Shopee, Alibaba e a própria Shein vinham abocanhando uma parcela importante das vendas do varejo nacional. O ministério calculava arrecadar R$ 8 bilhões com a medida. Dias depois, a pedido do presidente Lula, voltou atrás.

A Shein também revelou que vem testando um modelo de marketplace local desde o ano passado. O plano é agregar pequenos sellers locais, aos moldes do que fazem hoje outras plataformas latinas, como o Mercado Livre e a Shopee.

O modelo de negócios da Shein é o fast fashion elevado à última potência. Com algoritmos que captam dados em fontes não-estruturadas, como as redes sociais, a marca é capaz de prever tendências em tempo real e abastecer suas prateleira virtuais em tempo recorde. São cerca de 4 mil novos produtos lançados todas as semanas, a preços notadamente baixos. Essa costura foi a grande responsável pela popularidade entre os mais jovens: o aplicativo da marca foi o mais baixado nos EUA em 2021, à frente da gigante Amazon.

Fundada por YangTian Xu, mais conhecido como Chris Xu, na chinesa Najing, a Shein transferiu sua sede para Cingapura, mas produz na China e em outros países asiáticos de forma descentralizada, com vários pequenos fornecedores— o que garante a agilidade. Só depois de testar as vendas de um pequeno lote dos produtos (e descobrir quais serão os hits da coleção) é que a fabricação em larga escala das peças é liberada.

A Forever 21 seguia essa linha, mas a pesada estrutura de lojas físicas ajudou a empurrar a empresa para bancarrota (além de uma série de processos de marcas famosas por copiar designs). A Shein produz, por ano, quase 40 vezes o número de peças de uma Zara ou H&M, com uma grade de tamanhos muito mais ampla.

“A Shein conseguiu fazer coisas que ninguém tinha conseguido, no sentido que a inteligência da plataforma consegue capturar sinalizadores de tendência e demanda e transformar isso em termos de input e produto numa velocidade brutal”, analisa Serrentino. “A companhia conseguiu fazer no digital o que a Inditex, dona da Zara, fez com o fast fashion no mundo físico: produção rápida, em leads pequenos, com um timing muito agressivo. Mas o da Shein é surreal, eles conseguem sair de uma tendência para um produto em questão de dias.”

Assim como Zara, Forever e outras marcas populares do fast fashion, a Shein também foi acusada de trabalho análogo à escravidão em sua cadeia produtiva. Uma reportagem investigativa da emissora britânica Channel 4 encontrou funcionários trabalhando 18 horas seguidas para produzir mais de 500 peças por dia ao equivalente a R$ 0,20 por produto e uma folga por mês na China.

Os desafios na produção local parecem grandes e diversos — à altura do gigantismo da Shein.

 

Escrito Por: Manuela Tecchio
Fonte: Pipeline Valor

 

A fórmula mágica da Shein para produzir com preço baixo no Brasil
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