Aberto em 1982, foi a Amor aos Pedaços também que inventou o doce bicho de pé e a mousse no pote, além de ter sido um dos primeiros a adotar o modelo de franquia no país

Era fim de 1981. Os moradores da região do Jardins, mais precisamente da rua da Consolação, sentiam cheiros deliciosos saindo da casa de número 2828 durante todo o dia.

Ninguém imaginava que ali, Ivani Calarezi, à época com 30 anos, testava, junto com mais seis cozinheiros, receitas que estariam naquela que seria a primeira loja de bolos em pedaços do Brasil.
Foram seis meses de testes até ao modo de fazer perfeito. Até que, em junho de 1982, no mesmo endereço, a Amor aos Pedaços abriu as portas dando início à uma trajetória que completa 40 anos em 2022.

“No dia em que abri a loja, já tinha fila na porta. As pessoas, pelo cheiro, perguntavam sempre o que seria aquele local. Assim que tive a data de abertura, avisei a quem perguntava, e a notícia se espalhou no boca a boca”, conta Ivani em conversa com o CNN Viagem & Gastronomia.

Natural de Tupã, interior de São Paulo, Ivani estudou piano a vida inteira. “Uma verdadeira artista”, como descreve Silvana Abramovay, sua sócia há 38 anos.

Casou-se nova, aos 20 anos, e logo mudou para a capital. Queria trabalhar fora e, quando pensou sobre o ramo que poderia seguir, lembrou da avó, cozinheira de mão cheia.

A casa de Ivani era sempre repleta de amigas, que todas as semanas saboreavam belos lanches preparados por ela. Entre as delícias servidas por ela estava a chamada “Surpresa de Sogra”, uma espécie de pão doce, que fazia tanto sucesso, que por pouco, a loja não abriu com esse nome. “Quase coloquei, mas não ia pegar bem, né?”, lembra rindo.

Ivani tem o dom de criar e executar receitas perfeitamente. Sabe se algo está errado pela cor ou pelo cheiro. A mão dela está direta ou indiretamente nos mais de 130 itens que hoje a loja oferece.

Como tudo começou
Ivani já era mãe de dois e grávida da terceira filha, quando os testes das receitas começaram, assim como a ideia de uma loja, que teve ajuda do marido.

A logomarca, rosa e verde, veio com a ajuda de um padrinho, uma escolha ousada para a época – segundo ela, as fachadas das lojas não tinham cores tão vivas. Em 40 anos, a logotipo foi se atualizando, mas as cores permaneceram.

Sempre “muito gulosa”, Ivani gostava de ir a restaurantes e comer um pouquinho de cada coisa. Queria vender bolos em que as pessoas pudessem fazer o mesmo: experimentar vários sabores em fatias, sem precisar comprá-los inteiros.

O título “Amor aos Pedaços”, nome também de uma torta de abacaxi com coco, foi escolhido em alusão a essa ideia.

Ela gosta de dizer que tudo começou como um passatempo e o lucro era o que menos importava.

“Comecei vendendo também salgados, que, por curiosidade, tinham mais saída do que os doces. Como era tudo muito diferente, muito colorido, as pessoas ficavam com medo de experimentar. Imagina ter um bolo cor-de-rosa na vitrine? Na época isso era muito inovador”, relembra.

No início, Ivani dava mais doce do que vendia – isso, de graça mesmo. “Cortava o pedaço de bolo e não contava quanto pesava. Queria mais que todos conhecessem, porque sabia que iam gostar.”

“Dava uma colher com docinhos e as pessoas saíam da loja com ela na boca. Foi aí que o pessoal começou a ficar encantado.”, lembra.

Em pouco tempo, Ivani começou a receber muitas encomendas de bolos e docinhos para jantares particulares e reuniões. Ela lembra que em uma das suas primeira, nada deu certo. Ivani não tinha prática na montagem final do bolo.

“O bolo chegou todo desmontado e a cliente quase jogou de volta na minha cara no dia seguinte, só não jogou porque não sobrou nada. Disse que apesar da apresentação, todos amaram”, lembra.

Não demorou muito para que as encomendas aumentassem. Havia até quem deixasse o prato do bolo de casa para serem preparados diretamente neles. A ideia era fingir que aquela delícia havia feito por quem o comprava.

O crescimento
A loja da Consolação já era um sucesso. O boca a boca fez a “brincadeira” se tornar coisa séria.

Cerca de dois anos depois, Ivani viu que abrir a segunda loja seria um processo natural. Um de seus sócios indicou a sua irmã, de 18 anos na época, para cuidar desta nova unidade. A irmã era Silvana Abramovay, que entrou no negócio depois de um ano e até hoje é sócia de Ivani – seu irmão saiu da sociedade após 10 anos.

“Ela era uma menina. Confesso que, no início, eu e meu marido estávamos apreensivos, mas fomos em frente. A segunda loja abriu na Clodomiro Amazonas, no Itaim, e era pior do que pizza saindo do balcão. Mas Silvana chegou fazendo de tudo um pouco e, com seu jeito enérgico, deu muito certo”, lembra Ivani, sobre o início de Silvana.

“Tenho quatro irmãos homens e também queria ser independente. Minha família sempre foi muito ligada à comida. E fiquei muito encantada com a loja e com a possibilidade de o negócio dar certo. Lidar com o público é muito legal. Era uma loja de rua, movimento muito grande. Então entrei na sociedade e não saí mais”, recorda Silvana.

Juntas, cada uma com suas habilidades, ajudaram o negócio crescer. Enquanto uma é mais calma e detalhista, a outra é destemida e incansável, como Silvana mesmo a define.

A partir daí, a dupla viajou o mundo em busca de referências e inovação. Visitaram lojas de doces na América e Europa e observavam tudo: funcionários, embalagens, tipos de produtos consumidos e tendências.

Começaram, aos poucos, a colocar mesas e cadeiras nas lojas, entendendo que comer um bolo e tomar um café se tornaria mais do que uma compra, e sim, um momento para relaxar e deixar o dia mais feliz.

Sempre de olho em tudo, na obra de uma das lojas, perceberam que o pedreiro fazia uma massa de cimento impecável – o que julgavam muito difícil de achar. Não deu outra: o convidaram para bater massa de bolo na fábrica, por onde ficou por mais de 20 anos.

Ideias inovadoras
Ir a Amor aos Pedaços era sinônimo de encontrar inovação e qualidade. Os docinhos, antes encontrados apenas em festas infantis, começaram a ser comercializados, e isso foi um verdadeiro sucesso.

O Bicho de pé, doce cor-de-rosa que se tornou uma febre, foi criação de Ivani, que fez questão de registrar o nome. A receita é escondida a sete chaves até hoje.

Ela chegou à fórmula do doce por acaso, durante os preparativos para a festinha de aniversário de um ano de seu primeiro filho – hoje, ele tem 48.

Os convidados experimentaram e não conseguiam parar de comer, daí o nome: referência ao bicho de pé, que Ivani e os primos competiam para “pegar na fazenda, pois dava aquela coceira gostosa no pé que não parava mais”, assim como degustar o doce.

Trabalharam arduamente para surpreender os clientes, tanto no sabor quanto na apresentação de tudo o que ofereciam, e, de forma natural, abriram 10 lojas próprias.

Silvana lembra de uma história engraçada, que originou um dos produtos mais vendidos da rede até hoje, e que registra essa fase de ascensão da marca.

“Neste período, abrimos uma loja em Campos do Jordão e outra no Guarujá, litoral paulista. Em um dos verões, havia tanta gente comprando que os produtos se esgotaram. Tinha muita gente na fila e precisava dar um jeito nisso. Fui à cozinha e vi que ainda tinha uma tigela da mousse de chocolate cheia. Não pensei duas vezes: coloquei em potinhos e enchi a vitrine. Vendi tudo e ainda criamos mais um produto que antes não era vendido: a mousse em pote”, conta.

A linha zero açúcar também foi outra inovação há 30 anos. Um dos motivadores foi a mãe de Silvana, que precisa consumir esse tipo de produto, mas não tinha segurança nos que encontrava no mercado.

“Mandamos para todos os endocrinologistas e foi um verdadeiro sucesso. Hoje, 10% dos nossos produtos são da linha light e zero açúcar. O pão de mel zero vende mais que o tradicional”, conta.

Com tanta demanda e crescimento, Ivani e Silvana entenderam que precisavam buscar um novo modelo de negócios para dar conta de tudo o que estava acontecendo.

Os primeiros passos no mercado de franquia
“Quando chegamos a 10 lojas, pensamos que elas precisavam ter donos. A gente sempre teve a característica de fazer tudo muito fresco e percebemos que se continuássemos só nós, não iríamos crescer com qualidade”, ressalta Silvana.

Elas, então, foram aos Estados Unidos estudar mais sobre esse modelo de negócios. Falar em franquias no Brasil, naquela época, era algo muito distante e desconhecido.

“Não se falava muito de franquias no setor gastronômico, era só o McDonald’s que existia nesse sistema. Vimos que o modelo se adequava ao nosso negócio e em 4 anos começamos a vender nossas lojas. Criamos a nossa metodologia para tudo sair perfeito “, conta Silvana

No manual de cada franqueado está a descrição exata de tudo o que tem de ser feito. Quantas gramas de recheio em cada camada de bolo, quantos centímetros cada doce precisa ter, entre outros detalhes. Tudo para padronizar e garantir que o cliente coma o mesmo produto em qualquer loja da rede.

Apesar da produção em grande escala, os produtos continuam sendo artesanais. O bicho de pé e os brigadeiros, por exemplo, são feitos manualmente, em uma grande panela, e distribuídos para as lojas, e o pão de mel é banhado à mão.

Adotaram também a atmosfera modificada – uma tecnologia utilizada para prolongar a validade dos seus produtos sem a adição de aditivos químicos –, o que garantiu mais durabilidade às massas de bolo, fazendo com que o cliente coma tudo fresquinho em qualquer dia da semana.

Criaram dentro da loja do Iguatemi SP, em São Paulo, uma espécie de escola, onde treinam funcionários e franqueados. Silvana é responsável pela entrevista dos futuros donos das lojas e conta que repara, na conversa, o que julga o mais importante para assumir o negócio: “brilho nos olhos e amor ao produto”.

Hoje, a marca possui 40 lojas, sendo duas próprias e 38 franquias. A maioria está no estado de São Paulo, mas há também no Pará e Brasília – e em breve uma será aberta no Rio de Janeiro.

Silvana e Ivani conhecem todos os seus franqueados e sentem suas dores. Comemoram quando o negócio vai bem e pensam nas formas de incentivar e dar suporte quando algo sai do programado.

A experiência de quem passou por quatro planos econômicos nesses 40 anos de história foi importantíssima para ajudar a enfrentar o momento de pandemia. A Amor aos Pedaços não passou ilesa ao medo e insegurança do momento, mas superou as dificuldades.

40 anos de Amor aos Pedaços
Olhar pra trás e ver a história de sucesso que construíram enche Ivani e Silvana de orgulho. Lembrar que foram convidadas para fazer o bolo de 50 anos da Mônica, da Turma da Mônica, ou até mesmo que tiveram o nome da Amor aos Pedaços mencionada em uma novela, são só alguns sinais de que aquilo que era uma brincadeira tornou-se case de sucesso no mercado.

A produção após 40 anos continua a todo vapor. São 10 toneladas de massa de bolo por mês, mais de 30 mil pedaços vendidos e 100 mil docinhos. Passaram de seis para 600 funcionários, contando com os franqueados.

Para comemorar os 40 anos, voltaram ao cardápio clássicos como a torta Amor aos Pedaços, de abacaxi com coco, Bolo Embrulhado, Bolo Quindim, torta de castanhas, bolo cristal e o bombom de uva, além dos outros 130 itens disponíveis para consumo e encomendas nas lojas.

O Festival de Morango, criado pela marca, também faz aniversário e está na 34ª edição, vai até outubro. São bolos, tortas, pavês e docinhos que valorizam a fruta em sua melhor época do ano.

Hoje com 70 e 57 anos, respectivamente, Ivani e Silvana continuam 100% ativas na Amor aos Pedaços e não pretendem parar por aí. A meta para 2022 é abrir mais 18 lojas – cinco delas já estão em construção.

 

Escrito Por: Daniela Caravaggi

Fonte: Viagem & Gastronomia

Primeira doceria a vender bolos em fatias no Brasil completa 40 anos em 2022
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