O que a declaração do presidente interino – um profundo conhecedor do negócio – indica sobre os desafios da rede

Numa declaração sincera e direta ao Wall Street Journal, o CEO da Starbucks, Howard Schultz, disse ontem à noite que a companhia está avaliando apenas executivos de fora da companhia para ocupar o posto de presidente executivo. Schultz comandou a rede de cafeterias mais famosa do mundo de 1986 a 2000 e novamente em 2008 a 2017. Em março deste ano, aceitou ocupar o cargo após a aposentadoria de Kevin Johnson – mas somente de forma interina, para ajudar a encontrar o candidato ideal.

“Para o futuro da empresa, precisamos de um domínio de experiência e conhecimento em várias disciplinas que não temos agora”, disse Schultz ao jornal, emendando que seu prazo é março do ano que vem. A declaração causou uma certa estranheza, uma vez que a Starbucks tem uma cultura corporativa forte e era de se esperar que estivesse desenvolvendo seus líderes de amanhã. Mas diz muito sobre o momento da companhia.

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A Starbucks continua em franca expansão, como a terceira maior rede de alimentos do mundo, atrás apenas de McDonalds e Subway. São cerca de 34 mil unidades em funcionamento. Na China, abre uma nova loja a cada 15 horas. Parte de sua essência, no entanto, começou a ser questionada nos últimos anos.

Schultz foi o responsável por dar uma guinada no conceito da Starbucks, transformando as lojas no que ficou conhecido como “o terceiro lugar” na vida das pessoas – nem casa, nem trabalho, mas um misto dos dois. Os clientes gostavam de se encontrar com amigos ou fazer reuniões rápidas de trabalho na cafeteria, acomodados em poltronas, com um bom som ambiente e o impregnado aroma de café.

Quando Schultz chegou à companhia, eram lojas pequenas concentradas em Seattle, voltadas para os mais apaixonados pela bebida, que compravam para consumo em casa. Inspirado nos pequenos e aconchegantes cafés europeus, o modelo mudou – e, como se sabe, deu muito certo. O sucesso era não só com a clientela: a Starbucks se tornou conhecida por ser um bom lugar para os funcionários, uma companhia que investia no desenvolvimento dos profissionais e que se preocupava com o bem-estar da equipe, criando um espírito de comunidade entre os baristas.

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Johnson, que foi CEO por cinco anos, até março deste ano, coordenou grandes projetos tecnológicos na companhia. A Starbucks desenvolveu um sistema arrojado de inteligência artificial para agilizar os processos internos e digitalizar o atendimento. O engenheiro ex-IBM conseguiu bons resultados implementando tecnologia, e como definia, sempre se guiando por números e dados para tomar decisões – enquanto Schultz diz se guiar pelos próprios instintos.

Num projeto com a Amazon, a Starbucks começou a abrir lojas assépticas em Nova York – todo o pedido é feito por tela, o pagamento, o alerta de que o produto está pronto e dá para entrar e sair da loja sem ter trocado uma palavra com quem está atrás do balcão. Uma extensa reportagem da revista americana Fast Company mostrou como, de certa forma, isso pode ser parte do problema.

Mesmo antes da pandemia, o hábito do cliente já tinha mudado. O levantamento da Fast Company mostra que os pedidos para viagem representavam 80% das transações nas unidades já em 2019. Um quinto dos pedidos já eram feitos pelo aplicativo. As bebidas frias passaram a superar a venda de bebidas quentes.

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Aquele climinha gostoso do café no sofá com a música rolando começou a perder seu fascínio. Mas ao menos a tecnologia tornaria tudo mais ágil. Certo? E aí vem uma outra parte do problema, ganhando escala nos últimos meses: a relação com os funcionários. Se os pedidos ficaram mais ágeis para os clientes, o número de baristas e atendentes por loja não mudou (ou encolheu, em alguns casos), o que dá a nítida sensação ao cliente de que ele está esperando ainda mais tempo pelo seu café.

Em 30 minutos, um barista deve realizar 10 atendimentos, desde o pedido e pagamento, preparação à entrega para o cliente, mesmo em lojas com pouca automação. A cafeteria teve que mexer inclusive no nome dos produtos – para valorizar suas bebidas, as descrições eram quilométricas, um atraso para qualquer atendimento.

A companhia, que estava à frente de grandes corporações em benefícios e relações com os funcionários, começou a ficar para trás. O plano de saúde ficou ultrapassado, assim como o plano estudantil e especialmente os salários, levando a um movimento de sindicalização nos Estados Unidos desde o ano passado. A reação da Starbucks foi retaliar: cortar hora de funcionários liderando esse tipo de movimento ou estimulando os colegas à sindicalização.

A coisa escalou de tal forma que, em março deste ano, os acionistas se manifestaram. Um grupo de investidores coordenados pelas gestoras Trillium, SOC Investment Group e Parnassus enviou uma carta à administração da Starbucks questionando a postura da companhia e seus supostos padrões ESG.

“Nós, investidores que representamos mais de US$ 3,4 trilhões em ativos sob gestão, queremos destacar o valor da representação trabalhista para produtividade da companhia e os direitos fundamentais dos funcionários de se associarem e negociarem coletivamente”, escreveram os acionistas. “Acreditamos que a forma com que a Starbucks vem respondendo à organização sindical sugere um distanciamento da empresa dos padrões e compromissos internacionais.”

No ano passado, já sob pressão, a companhia anunciou um aumento do pagamento mínimo por hora aos funcionários. Os acionistas votaram contra o aumento da remuneração dos administradores, numa das poucas restrições impostas a orçamentos de companhias do S&P500 em 2021. No mês passado, Schultz disse que a Starbucks deve promover outras melhorias aos funcionários ao fim do terceiro trimestre – mas avisou que não pode garantir que serão estendidas aos sindicalizados.

Em 12 meses, as ações da Starbucks acumulam queda de 29% e, no ano, de 32%, ante retrações de 2,5% do S&P500 em um ano e de 13,52% no acumulado de 2022. Em prazos mais longos, continuam rentáveis – em cinco anos, valorizaram quase 30%, ainda assim menos da metade do S&P500 no período.

O blend de tecnologia, experiência do cliente, bem-estar dos funcionários e satisfação dos acionistas ganhou notas mais complexas. Schultz quer encontrar quem tire esse gosto amargo e renove sua fórmula.

 

Escrito Por Maria Luíza Filgueiras
Fonte: Pipeline Valor
Por que a Starbucks decidiu buscar um CEO fora de casa
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