Companhias em reestruturação têm acionistas, credores e interessados semelhantes
O que uma fabricante de freezer e geladeira tem a ver com um grupo de moda? Ainda que completamente independentes uma da outra, as histórias de Restoque e Metalfrio Solutions parecem ter se cruzado nos últimos meses. Ambas estão passando por reestruturações de dívida, têm o mesmo acionista de referência, credores em comum assim como um dos potencia interessados.
O empresário Marcelo Faria de Lima é o maior acionista do grupo de moda dono de marcas como Le Lis Blanc, Dudalina e BoBô, com 26,9% do capital. Na Metalfrio, é o controlador com 52,4%. Em ambas preside o conselho de administração. Bancos como Bradesco, Itaú, Santander e Banco do Brasil são credores das duas companhias.
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Os balanços sofreram as agruras distintas de cada setor e o impacto macro em comum. A Restoque viu sua receita minguar com lojas fechadas na pandemia e pediu recuperação extrajudicial ainda em 2020. Na Metalfrio, o aumento da Selic fez quase dobrar o custo com juros nos financiamentos e foi afetada pela guerra da Rússia contra Ucrânia – nesse caso, não é efeito indireto ou retórico. Uma das cinco plantas industriais da Metalfrio é na Rússia e um dos cinco centros comerciais é na Ucrânia (os dois países representavam pouco mais de 4% das vendas e, além de impacto na receita, demandaram ajuste em valor de ativos).
No grupo de moda, o processo de reestruturação da dívida está mais adiantado. A WNT Capital, que comprou títulos de dívida da companhia de moda ao longo do último ano, por meio de fundos como Montenegro, Victoria e MN, propôs a conversão dos papéis em ações. Na semana passada, o conselho de administração da companhia aprovou por maioria a troca da dívida por ações a R$ 2,10 (17% acima do preço de tela atual). Acionistas e debenturistas ainda vão votar.
No conselho, o único voto contrário foi do vice-presidente Marcio da Rocha Camargo, que é o segundo maior acionista da Restoque, com 15,55%. Em carta registrada em ata, ele diz que, “embora a proposta tenha sido apontada pela WNT como vantajosa para os acionistas e para a companhia”, as ações da Restoque caíram 93% nos últimos três anos e avalia que o preço proposta não reflete também o valor pelo qual as debêntures são negociadas no mercado.
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Mas não é esse o ponto de atenção do acionista. Camargo se diz preocupado com o fato de a proposta ter sido assinada por Valério Marega Júnior e Mário Garcia Neto, os sócios da WNT que são ex-membros do conselho fiscal da Restoque. Marega Júnior também foi conselheiro de administração da Metalfrio.
“Além disso, ao que consta, a WNT é gestora de um fundo em fase pré-operacional denominado Metalfrio Solutions Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados. Dessa forma, nota-se diversos pontos de contato entre o sr. Marcelo Faria de Lima e os sócios da WNT que subscreveram a proposta de conversão das debêntures”, escreveu Camargo
Ele observa ainda que, na proposta de conversão, “a WNT elogia efusivamente a gestão de Marcelo Faria de Lima”, e por isso recomenda apuração de eventual conflito de interesses e que a negociação seja intermediada por outros executivos, que não os três. A carta chamou atenção de alguns investidores uma vez que Camargo e Lima se conhecem de longa data – são sócios há mais de uma década na Artesia. Contatados, Lima e Marega não deram entrevista. O Pipeline não conseguiu contato com Camargo.
A WNT foi fundada em 2017 e tem cerca de R$ 5,5 bilhões sob gestão, conforme a Anbima. Um de seus maiores cotistas é o banco Master – o antigo Máxima, agora controlado por Daniel Vorcaro, ex-presidente do grupo mineiro Multipar e da Zion Capital. O Master tem assessorado e financiado M&As, como a aquisição da Copel Telecom e da Alliar pelo empresário Nelson Tanure.
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Na Metalfrio, o embate com bancos credores esquentou nas últimas semanas e o estresse financeiro começou a atrair interessados nesse tipo de título – incluindo a WNT, afirmaram as fontes. O FIDC que leva o nome da companhia e é gerido pela WNT e administrado pela Singulare foi registrado na CVM em março. Proposta formal, até agora, a Metalfrio só recebeu da gestora de private equity IG4.
Há cerca de dois meses, o fundo propôs injetar recursos no caixa da companhia e assumir a dívida, desde que os bancos topassem alongá-las com algum desconto. A tratativa não avançou, rejeitada pelos acionistas principais, Lima e Erwin Russel, que tem 41,52% da Metalfrio – os termos da IG4 não envolviam uma tranche secundária e os acionistas seriam fortemente diluídos, disseram duas fontes. A IG4 não comentou.
A fabricante de refrigeradores iniciou a conversa com bancos ainda no ano passado. Ao final do primeiro trimestre deste ano, a dívida bruta era de R$ 1,31 bilhão, sendo R$ 1,03 bilhão de curto prazo. No caixa, tinha R$ 321 milhões. O patrimônio líquido está negativo em R$ 175 milhões.
“A companhia ainda não concluiu este acordo, e pelo fato de possuir parcelas de dívida vencidas, e cláusulas de cross-default em seus contratos de financiamento, classificou todas as operações de financiamento da controladora no curto prazo”, explicou no último balanço. A companhia ressaltou no documento que está comprometida a reduzir seu endividamento à medida que a geração de caixa se normalizar no pós pandemia.
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Em meio à renegociação, a Metalfrio trocou de comando e buscou novas fontes de financiamento. Em abril, o presidente e diretor de RI Petros Diamantides se aposentou e Luiz Eduardo Caio assumiu interinamente. No último mês, tomou crédito com a fintech Cartos.
No primeiro trimestre, a companhia conseguiu aumentar a receita em 7%, mas o lucro de R$ 4 milhões no início do ano passado virou prejuízo de R$ 3 milhões de janeiro a março. No consolidado de 2021, o prejuízo foi de R$ 56 milhões e havia sido de R$ 140 milhões em 2020.
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Credores que já aceitaram a conversão de dívida na Restoque têm resistência em seguir o mesmo caminho na Metalfrio, preferindo uma renegociação de prazo, apurou o Pipeline. Conforme dois executivos de instituições financeiras, os credores questionaram a administração da Metalfrio sobre aplicação do caixa em títulos e valores mobiliários no último trimestre do ano, no montante de R$ 104 milhões, num momento em que a companhia tem liquidez restrita e tem que preservar caixa. A Metalfrio não deu retorno à solicitação de entrevista.
Na B3, a Restoque é avaliada atualmente em R$ 126 milhões e a Metalfrio vale R$ 170 milhões.