O reconhecimento facial faz parte do presente e do futuro. Entenda como as empresas estão criando soluções de pagamento e segurança por meio da interpretação.

A cidade californiana de Cupertino, nos Estados Unidos, está mais do que acostumada a receber os lançamentos de produtos da Apple. O evento é anual e atrai as atenções de milhões de pessoas ao redor do mundo. No último, ocorrido no dia 12 de setembro, a companhia fundada por Steve Jobs apresentou os seus últimos lançamentos: o iPhone 8 e o iPhone X.

Com esse último é possível utilizar um novo recurso chamado de Animoji – um emoji animado que imita as expressões faciais do dono do aparelho. A tecnologia que possibilita esse uso recreativo vem sendo considerada por especialistas como a nova fronteira do smartphone.

Batizada de Face ID, ela torna possível desbloquear o aparelho simplesmente colocando o rosto em frente a ele. Trata-se da melhor tecnologia de reconhecimento facial disponível para o usuário comum. O sistema conta com uma série de recursos como câmera com infravermelho, sensor de proximidade e de luz ambiente, além de um iluminador especial e um projetor de pontos invisíveis.

O que isso significa? Segundo a Apple, as chances de uma pessoa que não seja a dona do aparelho destravar o celular é de uma em um milhão. Não será uma simples foto, por exemplo, que conseguirá burlar o sistema. “Trata-se do maior avanço desde o iPhone original”, afirmou o CEO da Apple, Tim Cook, durante o evento.

O reconhecimento facial é apenas mais uma possibilidade entre os diferentes tipos de identificação biométrica, que utilizam características únicas de uma pessoa para identificá-la. O primeiro uso desse tipo de tecnologia ocorreu em 1858, na Índia, quando William Herschel tirou fotos das mãos dos trabalhadores para identificar quem deveria receber pagamentos.

A biometria facial começou a ser utilizada de forma semiautomática na década de 1960. Hoje, diversas companhias já disponibilizam para clientes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, soluções baseadas no reconhecimento do rosto. O inegável avanço da Apple neste segmento traz o holofote para essa tecnologia e pode popularizar ainda mais o mercado de pagamento biométrico.

Segundo o instituto de pesquisa britânico Juniper Research, o número de pagamentos por celular utilizando biometria (incluindo a identificação por impressão digital) deve chegar a 18 bilhões de transações até 2021. O valor movimentado? A projeção é que ultrapasse os US$ 210 bilhões até lá.

DNA chinês

Com quase 1,4 bilhão de habitantes, não por acaso, a China, país onde os iPhones são fabricados, caminha bem à frente na adoção desta tecnologia. Ainda em 2015, o Partido Comunista Chinês lançou um projeto para criar um arquivo com as fotos da população. Não é uma tarefa fácil – estima-se que as fotos ocupariam um espaço equivalente a 90 terabytes.

Grupos de direitos humanos denunciam que o governo estaria criando também um banco de dados com as vozes da população. O grande controle do governo funciona como uma vantagem competitiva para empresas chineses, que podem coletar informações sem receio.

A cultura de monitoramento já está abertamente difundida e os governantes se justificam apelando para a segurança: terroristas, traficantes, pedófilos e crime organizado. Ou “os quatro cavaleiros do infoapocalipse”, como definiu Timothy May, da Intel, ao defender o uso de criptografia pela população, em 1988.

Na China, até mesmo restaurantes populares como o KFC utilizam o reconhecimento facial como forma de pagamento: tire uma foto e receba o seu frango frito. Lá, isso ocorre por conta da parceria entre o Alipay, sistema de pagamento do gigante do comércio eletrônico chinês Alibaba, e o grupo Yum, dono da marca KFC.

Quando a foto é tirada no guichê de atendimento, o sistema faz a busca pela conta do cliente no Alipay e o pagamento é autorizado. Mas essa não é uma iniciativa isolada. Garçons, por exemplo, servem os clientes com um QR Code pendurado no pescoço, para facilitar a gorjeta.

Atualmente, 60% do dinheiro na China já movimentado por meios digitais – cerca de US$ 3 trilhões passam pelos sistemas da Alipay e pelo aplicativo WeChat, da também chinesa Tencent.

Também é coisa de brasileiro

O reconhecimento facial, no entanto, não existe apenas exterior. Por aqui, diversas empresas, especialmente ligadas ao setor financeiro e de segurança, apostam na popularização do negócio nos próximos anos. Existem inclusive fintechs que tonaram essas soluções disponíveis para os clientes, sem cobrar nada a mais por isso. É o caso do Banco Neon.

E o uso não se restringe à simples substituição da senha numérica. Em maio deste ano, o Banco Neon passou a adotar o reconhecimento facial como uma das formas para aprovar uma transação que o sistema tenha identificado como arriscada. Ou seja, uma compra totalmente fora do padrão do cliente, que pode representar fraudes, como clonagem de cartão.

A partir do momento em que a compra arriscada é identificada, o cliente é contatado. São dadas três opções para ele: o reconhecimento facial, a biometria digital e a senha tradicional. Cerca de 59% dos 250.000 usuários decidiram usar as chamadas selfies para se identificarem. Outros 32% preferiram a senha tradicional, enquanto 9% optaram pela biometria digital — ferramenta que não está presente em todos os smartphones.

Do ponto de vista da segurança, a escolha faz sentido. A tecnologia analisa 80 pontos do rosto do cliente, enquanto uma senha tradicional pede apenas uma sequência de seis dígitos. “Começamos a dizer que o nosso cliente não precisará mais lembrar da própria senha, pois o nosso próprio corpo é a senha”, afirma Julio Dario, CTO do Banco Neon.

A ideia do banco é diminuir ao máximo o número de fraudes com essa tecnologia. Segundo Daria, o nível de insatisfação do cliente também foi reduzido, pois os consumidores começaram a se sentir mais seguros com a tecnologia.

Para comprovar que está realmente fazendo uma compra, o usuário precisa tirar duas fotos assim que é contatado pelo banco – uma de olhos abertos e outra piscando. É uma forma de provar que a pessoa está ali naquele momento.

Tecnologias futuras

A principal parceira do Banco Neon neste processo é a Visa. A empresa, aliás, está desconstruindo a forma de funcionamento do seu negócio. Conhecida pelos cartões, também chamados de dinheiro de plástico, a Visa segue apostando nos mais variados estilos de meios de pagamento para não ser engolido pelo dinheiro do futuro – ou pelo fim do dinheiro.

Esse esforço pode ser personificado no executivo Alessandro Rabelo, diretor de produtos da Visa. Ele próprio diz que há muitos dias em que ele sequer retira a carteira do bolso para fazer compras. Isso não significa que seja pão-duro.

Ao contrário: Rabelo tenta utilizar ao máximo meios de pagamentos alternativos, como pulseiras, relógios com tecnologia NFC (a Visa tem uma parceria com a relojoaria suíça Swatch) e smartphones, por meio do Samsung Pay.

Ele estima que cerca de 75% das suas aquisições já sejam feitas sem a utilização do plástico ou do papel moeda. Sua experiência familiar mostra que essa adoção será cada vez mais comum. “Tenho dois filhos adolescentes e é nítido perceber como eles adotam essas ferramentas com mais facilidade”, diz Rabelo.

De acordo com uma pesquisa feita pela consultoria Gartner, 50 bilhões de aparelhos estarão conectados por meio da internet das coisas em todo o mundo até 2021. Então, a segurança para que tudo esteja em conformidade e a facilidade nos pagamentos serão essenciais.

Expansão

As negociações com grandes instituições financeiras para adotar soluções parecidas com a do Banco Neon já estão em curso. Não é somente neste setor específico que a Visa está de olho. Há conversas com todos os segmentos do varejo para a adoção de ferramentas de pagamento mais simples. “Por que não transformar o pagamento em uma coisa mais legal?”, diz Rabelo.

E o que seria isso, para o próprio executivo? De acordo com ele, entrar em uma loja, escolher o que quiser, cadastrar os códigos no próprio celular e pagar com a conta vinculada ao celular. Algo que não está tão distante.

A concorrente Mastercard anunciou no fim de novembro a chegada ao Brasil do “identity check mobile”, solução de biometria que já funciona em outros 14 países. “Estamos concentrando nossos esforços na simplificação da experiência de pagamento online, sem comprometer a segurança”, disse Ajay Bhalla, presidente de risco e segurança corporativos da Mastercard. O sistema vai funcionar a partir da identificação de impressões digitais e de selfies.

No Brasil, quem traz a solução com exclusividade é o Santander, que vai atuar em parceria com um grande portal de e-commerce. “A biometria não é boa só por causa da experiência, mas porque traz uma segurança adicional para o sistema”, afirma Rodrigo Cury, superintendente-executivo de cartões do Santander.

Assim como a identificação por impressão digital está difundida, a identificação facial pode ser um próximo passo. “Não é uma coisa muito distante”, diz o executivo.

 

Escrito Por: André Jankavski e Galeno Lima
Fonte: Consumidor Moderno
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