A camisaria Dudalina prosperou com uma improvável combinação de 16 irmãos à frente da empresa. Mas talvez nem a venda da empresa consiga trazer paz à família
No fim dos anos 50, a catarinense Adelina Hess de Souza decidiu trilhar um caminho pouquíssimo usual. Aos 31 anos, abriu a própria empresa, uma confecção de camisas que ela costurava em casa.
Na hora de batizá-la, uniu seu nome ao do marido, Rodolfo Francisco de Souza Filho, o Duda. Nascia, ali, a Dudalina. Em paralelo, Adelina traçou uma meta ambiciosa para dentro de casa: ter 20 filhos. Ela chegou perto. Teve 16, todos com nomes compostos (como Renê Murilo, Rui Leopoldo e Denise Verônica).
Quando Adelina morreu, em 2008, a Dudalina já era a maior camisaria do país — e a mãe fez tudo que podia para manter o instável equilíbrio entre casa e trabalho típico das empresas familiares.
Deu emprego para quase todos os filhos, comprou uma casa na cidade e outra na praia para cada herdeiro e, nos almoços de domingo em Blumenau, resolvia as diferenças de casa ou do trabalho obrigando seus filhos a dar longos abraços “afetivos”. Mas, por baixo dessa camada de prosperidade, nem tudo ia assim tão bem.
Os 16 herdeiros de Adelina se dividiram em grupos e, há décadas, discordam de quase tudo. O maior deles, composto de 11 irmãos, inclui as cinco mulheres e é liderado por Sônia Regina, presidente da empresa desde 2003.
Do outro lado estão os cinco irmãos dissidentes — entre eles o primogênito, Anselmo José, que presidiu a Dudalina de 1979 a 1989, e Vilson Luiz, que chefiou o conselho de administração por quase duas décadas.
Assim como em milhares de empresas familiares, a principal fonte de problemas é uma disputa pelo poder entre os herdeiros — que começou quando Adelina deixou de ter o comando absoluto. Em 1979, ela passou a presidência para o filho mais velho. Logo os irmãos se ressentiram.
Segundo eles, Anselmo José manteve a postura centralizadora da mãe, e não dividiu o poder. Dez anos e alguma pressão dos filhos depois, a mãe promoveu uma troca no comando — assumiu Armando César, o sétimo mais velho. Anselmo, o preterido, passou as décadas seguintes na oposição.
Em seus primórdios, a Dudalina fabricava camisas masculinas, costuradas a máquina por Adelina e vendidas a dezenas de varejistas da região de Blumenau. Aos poucos, conquistou clientes em outros estados, até chegar à liderança de mercado. Também fabricava camisas para marcas como Brooksfield e Zara.
Tudo ia bem até o início dos anos 90, momento que coincide com a chegada de Armando à presidência. Naquela época, malharias e camisarias brasileiras começaram a enfrentar uma concorrência crescente dos importados da China — e consideraram que a saída era abrir lojas próprias.
O maior exemplo era a malharia Hering, que abriu a própria rede de lojas em 1996 e começou a ganhar muito dinheiro na empreitada. O varejo virou tema recorrente dos almoços de domingo na família Hess. E motivo de briga entre os irmãos. A família deveria arriscar seu capital numa aposta ousada no varejo? Ou manter-se fazendo aquilo que sabia?
Em 1995, Armando César montou um projeto de franquias para a Dudalina e levou o caso para aprovação dos 15 irmãos. Era um plano que consumiria todo o caixa da empresa, e que obrigaria a Dudalina a adiar a abertura de uma nova fábrica, que seria instalada em Maracanaú, no Ceará.
O projeto foi bombardeado pelos aliados Vilson, o presidente do conselho, e Anselmo José — no fim da década de 80 havia criado a própria marca de moda masculina, a Happy Man, que fechou em 1995. Com o racha, a família decidiu pela rota conservadora, e os planos para entrar no varejo foram abandonados.
“Foi a maior derrota de minha vida”, diz Armando. A fábrica foi aberta em 1998 e fechou quatro anos depois porque só perdia dinheiro. A tensão entre os irmãos que queriam apostar no varejo e os mais conservadores, que ficaram com a indústria, só fez crescer.
Aquele foi um dos momentos mais difíceis da história da Dudalina. Em crise com a concorrência chinesa e com o prejuízo da fábrica no Ceará, empresa e família estavam em convulsão. Armando deixou a presidência em 2003 e teve início uma intensa disputa por poder. Anselmo José e Vilson Luiz defendiam a contratação de um presidente profissional. Mas Adelina optou por Sônia.
Segunda irmã mais velha, ela saiu de casa aos 17 anos para estudar na Espanha. Na volta ao Brasil, ficou em São Paulo, onde cuidava da área de marketing da Dudalina.
Era vista por alguns irmãos como uma jovem esforçada, mas que não seria capaz de dar o salto de que a empresa precisava. Mas, com a bênção da mãe, foi eleita por unanimidade — unanimidade fictícia, que acabaria em 2008, ano da morte de Adelina.
Assim que Adelina morreu, a panela de pressão foi destampada. Em 2009, Sônia demitiu o irmão Renê Murilo, diretor industrial, alegando que ele comandava um feudo pouco transparente. Os dissidentes Anselmo e Vilson ganharam mais três aliados, e organizaram um roteiro para derrubar Sônia.
Apresentaram ao conselho de família um plano de tornar Renê (o demitido) presidente e Anselmo chefe do conselho. Na votação, dez apoiaram Sônia e cinco votaram contra — a família estava oficialmente dividida.
Sônia aproveitou sua base de apoio para tirar da gaveta uma série de projetos que vinha costurando há anos com seus aliados, notadamente o ex-presidente Armando e o irmão Rui Leopoldo, promovido a diretor de varejo.
Primeiro, lançou uma rede de lojas em endereços sofisticados das grandes cidades e investiu num desenho mais moderno para as camisas — que passaram a custar cerca de 300 reais. A grande tacada viria em seguida. Sônia lançou a linha feminina, de olho no enorme contingente de mulheres que ascendiam no mercado de trabalho.
Desde 2008, o faturamento triplicou e o lucro foi multiplicado por 10. A Dudalina já tem 100 lojas no país e é dona de outras duas marcas — Base e Individual. “Foi a partir de 2010 que eu virei presidente de verdade e consegui fazer tudo que tinha planejado”, diz Sônia, que não fala sobre os impasses.
A venda da empresa
Com a empresa em ordem, ela achou que era hora de cumprir uma promessa feita à mãe — garantir um futuro tranquilo para a família e a união dos irmãos. A solução seria vender a empresa, mesmo que isso tivesse de ser feito à revelia dos cinco irmãos insatisfeitos. Sônia reuniu seu grupo de aliados e, numa votação, conseguiu oito votos favoráveis à venda.
Somados ao seu, conseguiu maioria. Em dezembro de 2013, os fundos americanos Advent e Warburg Pincus anunciaram a compra da Dudalina, avaliada em cerca de 1 bilhão de reais.
Pelo menos dois dos cinco oposicionistas souberam do negócio pelos jornais — os gêmeos Renê Murilo e Renato Maurício questionam na Justiça a autoridade de Sônia e de seu grupo para decidir pela venda e não venderam suas ações. Sônia ainda é acionista por exigência dos compradores, que a mantiveram na presidência.
Para os novos donos, a situação é complexa: compraram uma empresa que ainda tem como acionistas dois ferrenhos opositores de sua presidente. “Eles só não saem por birra”, diz um irmão. Segundo um representante de Renê e Renato, eles concluíram que ganharão mais dinheiro no futuro, quando os fundos decidirem revender ou abrir o capital da Dudalina.
Em paralelo, Renê Murilo se tornou concorrente da Dudalina ao relançar a marca Happy Man (agora só como Happy), com camisas e até logomarca parecidas com as da empresa fundada pela mãe. A fábrica fica em Blumenau, e as peças são vendidas em lojas multimarcas.
“Agora, os gêmeos são um problema para os fundos, não para a gente”, diz um dos irmãos que venderam as ações. Procurados, Advent e Warburg Pincus não concederam entrevista. Em Blumenau, os almoços de domingo continuam acontecendo, mas com 11 irmãos à mesa.