Gerente contábil fiscal da distribuidora de material de construção ConstruJá, Lilian Leiko Yoshida diz que em pelo menos três períodos da carreira, iniciada há 33 anos, teve sentimentos relacionados à síndrome do impostor. “É muito ruim, mexe com o ego, tinha a impressão de que deixava a desejar.”
Nesses momentos, contou com a ajuda de amigos. “Estando do lado de fora da situação, essas pessoas me ajudaram a enxergar outro ângulo. Descobri que algumas situações eram criadas para eu me sentir incompetente. A sensação de impostora que eu sentia era decorrente do preconceito de pessoas que não me aceitavam no cargo.”
Lilian afirma que a área financeira ainda é muito masculina e que as mulheres encontram muitos obstáculos para atuar no segmento. “Nesse ambiente, é fácil que uma mulher sofra com a síndrome, porque enfrentam atitudes machistas dos companheiros.” A dica da gerente para mulheres quem vivem esse tipo de situação é para não deixarem de acreditar que são inteligentes e capazes. “Ao liderar um time, tenha postura profissional e ética, para mostrar com trabalho, todo o seu potencial.”
Segundo a coach executiva e professora da Fundação Dom Cabral Eva Hirsch Pontes, especialistas garantem que a síndrome é cada vez mais recorrente nas corporações. “Profissionais em cargos de liderança sofrem calados com questionamentos sobre suas competências.”
O termo surgiu em 1978, quando as pesquisadoras americanas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, da Georgia State University, publicaram artigo sobre uma tendência comportamental que acreditavam ser, até então, quase que exclusiva do sexo feminino: mulheres bem-sucedidas nas suas áreas sentiam-se como ‘impostoras’.
Eva diz que a síndrome atormenta, em grande parte, pessoas que estão no alto escalão e duvidam de suas capacidades. “Elas não estão convencidas de que o sucesso é consequência de seu esforço e buscam explicações para as conquistas. Em alguns casos, acreditam que foram beneficiadas pelo acaso.”
Ascensão
Há um ano, ao ser promovido para o cargo de gerente em uma empresa de tecnologia, Pedro (nome fictício), sentiu uma mistura de alegria, ansiedade e dúvida. “Não achava meu trabalho diferente do realizado pelos colegas. Acreditava que não estava preparado para o novo papel. O medo me perseguiu por alguns meses.”
Aos 31 anos, ele tinha receio de fracassar. “Não me sentia merecedor. Estava contratado havia quatro anos, sempre me dediquei à empresa e nunca fugi das obrigações. Mas a promoção parecia ter chegado por acaso, sem que eu tivesse construído uma trajetória para alcançar esse resultado.” Ele não sabia, mas estava sofrendo com a síndrome do impostor.
O jovem, porém, não sofreu calado. “Conversei com amigos que ocupavam cargos de liderança e busquei ajuda de um psicólogo, para colocar meus pensamentos no lugar e entender o que estava acontecendo.”
Depois de um ano no cargo, Pedro afirma que compreendeu o seu valor para a empresa e a sua contribuição para a conquista de bons resultados. “Sou peça importante na engrenagem e ajudo a movimentar outras peças.”
Eva ressalta que o ambiente corporativo pode ser impiedoso e não costuma tolerar que lideres exponham suas fraquezas. “Muitos executivos sentem que falar sobre o assunto seria como deixar a máscara cair. Assim, muitos evitam lidar com o problema e ficam reféns da pressão sofrida no cargo.”
O problema é que esse sentimento pode interferir não apenas na carreira, como na vida pessoal e na saúde. “Em geral, essas consequências negativas estão relacionadas à falta de suporte da empresa na transição da carreira. É importante que as organizações ofereçam mecanismos de desenvolvimento para auxiliar o executivo no momento em que maiores responsabilidades passam a integrar a rotina de trabalho”, afirma Eva.
Cultura contribui para que as mulheres sejam as mais atingidas
O termo ‘síndrome do impostor’, conhecido desde os anos 1970, por meio do estudo feito pelas pesquisadoras da Universidade Dominicana da Califórnia. Rose Clance e Suzanne Imes apontaram que 70% das pessoas bem-sucedidas, a maior parte mulheres, estariam sujeitas à síndrome.
Psicóloga, coach e gestora de capital humano e de operações da Thomas Case, Márcia Vazquez diz que o fato de mulheres serem as maiores vítimas se deve a componentes psicológicos, porque ainda temos uma cultura que considera que algumas competências são masculinas, outras femininas. “Sociologicamente, já sabemos que homens parecem ser privilegiados para determinadas funções, pois existem valores e papéis distintos, impostos pela cultura machista. Projetos desafiadores são para homens, porque a sociedade considera que eles têm características de personalidade para isso.” Segundo ela, valores são condicionantes que estarão presentes para o resto da vida e, no geral, são consolidados na primeira infância, até os sete anos. “Tudo isso faz com que as meninas, ao se tornarem mulheres, tenham autoestima baixa. Elas terão sempre o inconsciente lhes dizendo que não podem ocupar posições masculinas. É uma questão muito complexa.”
Nesse contexto, Márcia ressalta a importância e o peso existente na verbalização de pais e mães, e dos valores que eles passam desde a infância aos filhos. “E ainda criamos mulheres de forma diferente da de homens. Isso é muito perigoso.”
A psicóloga afirma que um apoio terapêutico, de amigos e de um mentor pode ajudar a superar a crença limitante de que mulheres não podem ocupar determinadas posições. “Existem ambientes organizacionais nos quais as mulheres são bem-vindas e que consideram que as coisas funcionam melhor com elas. Em outros, os homens são mais bem-vindos. Isso pode ocorrer em unidades de uma mesma empresa instaladas em países diferentes.”
Comportamento tóxico também afeta profissionais
“Depois da síndrome do impostor, uma nova condição tem sido identificada por especialistas dentro de empresas: a síndrome de Procusto”, diz a coach e professora da Fundação Dom Cabral, Eva Hirsch Pontes.
Segundo ela, a origem do nome está na mitologia grega. O gigante Procusto convidava pessoas para passar a noite em sua cama de ferro. No entanto, insistia para que os visitantes coubessem com perfeição no leito, do contrário, eram torturados: esticava os hóspedes muito baixos ou serrava as extremidades dos visitantes que excediam as dimensões da cama. “No ambiente corporativo, essa visão se enquadra entre profissionais que se sentem ameaçados por pessoas que consideram mais capacitadas. Para evitar incômodo e risco à própria carreira, usam artifícios para desqualificar, menosprezar, humilhar e boicotar o outro.”
Eva considera que as políticas de bônus com excessivo foco no curto prazo, dominantes no ambiente corporativo, podem ser uma das causas desse comportamento tóxico, quando o profissional enxerga o colega como concorrente e não como parte de uma equipe que atua de forma conjunta. “As empresas perdem com essas atitudes, porque elas desestimulam ideias e impedem o progresso e a inovação”, diz.