A pandemia acelerou os planos da James Delivery, que aumentou o número de cidades atendidas, lançou mais serviços e acrescentou estabelecimentos a sua plataforma, como as farmácias de Raia e Drogasil. Mas a concorrência também não para de crescer
Nos últimos anos, uma cena se tornou comum nos centros urbanos do País. Com marcas como Rappi e iFood estampadas nos boxes presos às costas, milhares de motoqueiros percorrem ruas e avenidas diariamente e entregam quase de tudo. De comida a remédios a produtos de pet shops e documentos.
A pandemia deixou ainda mais em evidência esse setor da economia, adicionando outras categorias a esses pacotes. A mais recente delas foram as entregas de supermercados, que ganharam fôlego com a Covid-19. E uma das empresas que está se aproveitando dessa crise para crescer é o James Delivery, comprada pelo Grupo Pão de Açúcar (GPA) em 2018.
“Somos uma empresa online dentro de um grupo tradicional. E os únicos do setor que não são players puros de tecnologia”, diz Lucas Ceschin, cofundador e CEO do James Delivery. “Não precisamos ser o maior app. Mas essa integração com o Pão de Açúcar nos permite ser o maior no varejo alimentar.”
Na esteira da pandemia, o Pão de Açúcar acelerou os planos de expansão do James Delivery de 18 para 25 cidades do País. Estruturado nas primeiras semanas da crise, o novo mapa incluiu municípios como São Caetano do Sul, São Vicente e Barueri, no estado de São Paulo, e Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. Hoje, o serviço está ativo em 134 lojas do grupo.
O coronavírus está também no centro da interação com a foodtech Cheftime, outra startup do GPA. O grupo antecipou o lançamento do Restaurante Cheftime, projeto de delivery de refeições prontas, com dark kitchens conectadas ao James Delivery. O serviço está disponível em São Paulo, São Caetano do Sul, no ABC paulista, e no Rio de Janeiro e em Niterói (RJ).
Neste período, o James Delivery, que atende ainda verticais como restaurantes e o varejo em geral, também identificou um aumento de 200% nas adesões de novos estabelecimentos, com a participação de categorias nas quais ainda tinha pouca presença, como lojas de shoppings, padarias e pet shops.
Nesse universo, a categoria de maior crescimento foi a de farmácias. O segmento, que já contava com as drogarias do próprio grupo varejista, ganhou tração a partir de uma parceria do GPA com a Raia Drogasil (RD), no fim de 2019, que resultou na criação da Stix Fidelidade. A operação reúne mais de 55 milhões de clientes dos programas de fidelidade das duas companhias.
O acordo abriu caminho para a inclusão das unidades da RD, que tem mais de 2,1 mil lojas no País, no serviço do James Delivery. Hoje, já são 175 drogarias em todas as cidades que a startup está presente.
Outra ação foi o lançamento do James Prime, serviço de assinatura que oferece fretes grátis e descontos nas entregas. Para impulsionar a adesão, a startup isentou a taxa mensal de R$ 19,90 para as pessoas pertencentes ao grupo de risco da Covid-19.
Embora não revele números, Ceschin disse que todas essas ações trouxeram maior recorrência nas compras e ampliaram o perfil do público atendido, antes mais concentrado nas faixas etárias de 20 a 40 anos.
“Agora, temos muitos usuários acima de 60 anos”, diz Ceschin. “A pandemia fez esse tipo de serviço chegar ao mainstream. Em duas semanas, chegamos a metas que levaríamos, no mínimo, cinco anos para alcançar.”
A crise fez ainda com que muitos usuários experimentassem os serviços de delivery. Segundo um estudo da Ebit Nielsen, 31% dos clientes que fizeram compras digitais em supermercados entre 17 de março e 27 de abril, usaram esse expediente pela primeira vez.
O avanço da categoria se refletiu na operação da James Delivery. Em março, o aplicativo registrou mais de 80% de crescimento no número de downloads, chegando a uma base de 2,5 milhões de usuários.
No período, houve um salto superior a 3.000% no volume bruto de mercadorias e de 225% no tíquete médio das compras na vertical de varejo. O número de pedidos cresceu 862%.
Acesso total
No plano para atrair mais usuários para o serviço, Ceschin destaca que o maior benefício de estar sob o guarda-chuva do GPA é ter o acesso total aos estoques e demais informações das lojas do grupo. A rede, por sua vez, tem em mãos os dados coletados pelo aplicativo, como frequência e comportamentos de compra.
Essa combinação permite que o James Delivery contorne uma questão que já domina as entregas de outras categorias e que promete influenciar também as encomendas no varejo alimentar.
“O segmento vai ficar commoditizado e restrito à disputa de preços nas taxas de entrega”, diz Ceschin. “Em vez de brigar por margem, nosso plano é focar na experiência do consumidor.”
Nessa direção, depois de integrar essas duas bases, a parceria começa a reforçar o investimento em sugestões mais personalizadas para atrair e reter usuários.
“Podemos conhecer melhor o cliente, entender o que ele busca e indicar, inclusive, outras categorias”, afirma o CEO do James Delivery. “E não se trata necessariamente de fazê-lo comprar mais. Mas sim, dele comprar o que realmente quer.”
Para Ceschin, esse foco ganha ainda mais destaque diante de uma tendência que pode afetar outros apps rivais. “Com o efeito WeWork, os investidores estão mais céticos sobre o modelo de aquisição de clientes a qualquer custo”, diz. “Focar na fidelização do cliente vai ser cada vez mais uma questão central no discurso.”
Competição acirrada
Nessa corrida aos supermercados, o James Delivery tem cada vez mais companhia. O interesse crescente dos aplicativos nesse espaço vem sendo alimentado pelo fato de o segmento trazer recorrência, palavra que soa como música aos ouvidos de qualquer operação ligada ao e-commerce.
No exterior, um exemplo dessa atenção é a americana Instacart, que já captou US$ 2,1 bilhões com investidores como Sequoia Capital. O aporte mais recente, de US$ 225 milhões, veio na semana passada e foi liderado pelos fundos DST Global e General Catalyst, avaliando a empresa em US$ 13,7 bilhões.
No Brasil, a Rappi é uma das pioneiras e mantém um acordo com o Carrefour. O iFood também entrou nessa disputa e criou há um ano o iFood Mercado. O serviço já está presente em 80 cidades do País, com mais de 400 estabelecimentos, em sua maioria mercados de bairros e redes independentes.
Em janeiro, a B2W também ingressou nesse espaço, ao adquirir a Supermercado Now. Já a chilena Cornershop chegou ao País no fim de 2019, depois de a Uber comprar o seu controle. E tem em sua base redes como o Big (ex-Walmart) e o Carrefour.
Para fontes ouvidas pelo NeoFeed, o compartilhamento de dados, uma questão crítica nessa relação entre aplicativos e estabelecimentos, é um ponto positivo para o James Delivery e o GPA nesse cenário de aumento da concorrência.
Esse é um dos motivos que explicam a decisão do grupo investir na compra do aplicativo, em dezembro de 2018. Até então, o GPA mantinha uma parceria com a Rappi.
“O GPA entendeu que estava alimentando o inimigo e criando um monstro”, diz Walter Sabini Jr., sócio-fundador do grupo de investimentos Hi Partners Capital. “Esses aplicativos guardam informações estratégicas das transações.”
Sócio da consultoria Varese, Alberto Serrentino reforça esse diferencial. “Nesse mercado, nenhum dos lados têm uma visão única da jornada do cliente”, diz. “GPA e James terão uma alavanca brutal de crescimento se trabalharem essas informações em conjunto.”
Ele cita ainda que a parceria com a RD pode dar ainda mais massa crítica a esse volume. E ressalta o pioneirismo digital do GPA, sua multiplicidade de formatos e capilaridade como outras vantagens para o aplicativo. Mas também enxerga problemas na parceria.
“Os outros competidores estão sendo mais agressivos na ideia de se consolidarem como superapps”, diz Serrentino. “Como está ancorada no GPA, o James demanda menos caixa para escalar, mas, por outro lado, seu portfólio é mais estreito e sua curva de crescimento é menor.”
Sabini Jr. segue a mesma linha. “O fato de estar embaixo de um único grupo pode restringir muito, mesmo pensando apenas no varejo alimentar”, afirma. “Ser agnóstico é um fator crucial nesse modelo.”
Além dos aplicativos já mais estabelecidos, a batalha das gôndolas deve ficar ainda mais acirrada com a entrada recente do Mercado Livre e do Magazine Luiza no segmento
Além dos rivais já mais estabelecidos, os dois analistas acrescentam que essa batalha das gôndolas deve ficar ainda mais acirrada com a entrada recente do Mercado Livre e do Magazine Luiza nesse nicho.
“E, no médio prazo, não dá para desprezar a Amazon, que já colocou esse negócio como um de seus focos nos Estados Unidos”, diz Serrentino. “E que, em algum momento, pode desembarcar fortemente com essa oferta também no Brasil.”