Por Flávio Picchi, presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp

A seleção brasileira estreou na Copa do Mundo contra a Suíça e, além do gosto amargo do empate, ainda permaneceu a dúvida se o técnico Tite conseguiu, de fato, montar um time que demonstre, de verdade, um bom “jogo coletivo” ou se ainda estamos à sombra da “Neymardependência”. Outras seleções também são questionadas se dependem ou não de um único craque para bons resultados. Em muitos casos, se o craque não está bem, o time decepciona.

Isso pode parecer mais uma daquelas conversas de futebol, mas há aí algo relevante inclusive em termos de gestão. Conseguir montar um time que consiga, realmente, o “jogo coletivo” não é das coisas mais fáceis de se fazer. Seja no futebol ou em qualquer outro tipo de organização, como nas empresas e também nos serviços públicos.

Isso se torna ainda mais problemático porque vivemos numa cultura em que os heróis sempre foram cultivados e cultuados. Estamos sempre à procura de um “salvador da pátria”.

As empresas, por exemplo, também sofrem com um fenômeno similar à “Neymardependência”. Não são poucas as organizações que buscam e supervalorizam os “superexecutivos”, aqueles “heróis” corporativos que tudo sabem, que tudo fazem, que aparentemente resolvem todos os problemas, que salvam o dia, e que, na superfície, são vistos como responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso da companhia.

O problema é que depender de heróis pode ser uma grande e perigosa armadilha.

Primeiro, obviamente, porque não é tão fácil assim achá-los. Não se encontra um Neymar em cada esquina, assim como não é comum achar, nas empresas, gente real e comprovadamente diferenciada.

Mas mesmo se os encontrarmos, também deveria ser óbvio que mesmo os gênios são falíveis e têm seus dias ruins. Pelé perdeu pênaltis, campeonatos e gols feitos. Assim, o que acontecerá com a empresa quando o gênio de plantão falhar?

O principal problema, porém, é outro. Trata-se de uma mentalidade perigosa porque, no geral, o culto ao herói corporativo acaba suprimindo, dificultando ou deixando para segundo plano o ideal do trabalho coletivo e a valorização do resultado da equipe.

E vai se reforçando na organização aquela típica cultura ruim do individualismo, do egocentrismo e de um tipo de competição maléfica, de aparecer mais, mesmo que isso prejudique o todo.

Assim, quando as coisas dão certo, afloram, mesmo que velados, os “fui eu que fiz” ou “olha como eu sou bom”. Mas quando as coisas vão mal, o que mais se ouve é “já estava assim quando eu cheguei” ou o “salve-se quem puder”.

Se voltarmos ao mundo do futebol, lembro de um técnico famoso que quando o time ganhava, conjugava sempre o “eu”. E quando perdia, se referia a “nós”. Não é por acaso que esse técnico hoje se encontra num certo ostracismo.

Isso sem falar que a cultura do herói corporativo reforça nas pessoas o mau hábito de não reconhecer os problemas. Muitos ficam com medo de expô-los e serem avaliados como maus super-heróis, que deveriam ter resolvido tudo. Fortalece-se a prática de empurrar “as sujeiras para debaixo do tapete”.

É evidente que tudo isso é muito ruim para qualquer organização, mas infelizmente acontece em muitas empresas.

Em termos de gestão, há muito tempo que existe consenso de que o sucesso de uma organização depende totalmente de suas pessoas. Mas o fato é que o que se entende por “ter pessoas excepcionais” pode variar muito.

Alguns podem ainda acreditar no velho ideal do super-herói ou em depender exclusivamente de alguns craques, que resolvem tudo praticamente sozinhos. Nas empresas que adotam o sistema lean de gestão, também conhecido como mentalidade enxuta, o conceito é bem diferente, reforçando a importância do jogo coletivo.

Ter um time excepcional significa, no sistema lean, ter todas as pessoas contribuindo diariamente para a melhoria dos processos, e líderes que desenvolvam todos para atuarem como um conjunto muito bem articulado. Deixando claros os objetivos e os princípios e possibilitando que os problemas sejam expostos para que todos possam contribuir para sua solução, sem procurar culpados. Todos devem ser excepcionais no que fazem, tendo condições para poder expressar o seu melhor, compreendendo seu papel no time.

Com a chegada da Copa, por mais que alguns resistam à tentação, todos nos tornamos técnicos, comentaristas, experts etc., entrando em apaixonadas discussões nos bares e nos churrascos. São polêmicas que nos levam a refletir sobre temas profundos do relacionamento humano, que extrapolam o mundo do futebol.

Tomara que nossos cafés de empresas aproveitem também essas polêmicas para questionar diversos aspectos do nosso dia a dia corporativo, como essa importante questão do craque salvador versus o jogo coletivo.

 

Fonte: Newtrade
Sua empresa tem um bom jogo coletivo ou depende de um craque que deveria resolver tudo?

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